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Trabalho, cotidiano e a industrialização do Brasil

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A canção “Três apitos” abre espaço para ricas discussões históricas em sala de aula.

Estabelecer o lugar ocupado pela história em nosso cotidiano é um modo indispensável de se mostrar aos alunos a relevância do conteúdo estudado. A todo o momento, o professor deve extrapolar os limites impostos pela sua própria fala ou pelas informações do livro didático para empreender o reconhecimento das experiências históricas nas obras de arte, nos prédios, paisagens, monumentos e toda e qualquer manifestação humana.

Sem dúvida, a tão citada renovação das fontes deve começar na academia e se estender ao espaço escolar. Desse modo, tentando colaborar com tal demanda, oferecemos uma sugestão de aula centrada no processo de industrialização do Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Para o trabalho, utilizaremos a canção “Três apitos” do lendário compositor Noel Rosa, sambista que vivenciou, justamente, esse período em que os centros urbanos e as indústrias começavam a ganhar espaço no país.

Três apitos

Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você.
[…]
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro,
Por que não atende ao grito tão aflito
Da buzina do meu carro?
[…]
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos pra você.
Nos meus olhos você vê
Que eu sofro cruelmente,
Com ciúmes do gerente impertinente
Que dá ordens a você.


(Noel Rosa)

Trabalhando a canção acima transcrita, podemos explorar uma série de minúcias que revelam os conflitos determinados pela inserção do trabalho industrial. Já na primeira parte da canção, a indústria é colocada como uma paisagem não natural, que transforma o cotidiano da personagem ao “ferir” os ouvidos da personagem com o seu apito. Aqui, a utilização desse verbo expõe a novidade de um som novo, que supostamente não integrava o cotidiano do cenário constituído na canção.

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Além disso, por meio do relacionamento amoroso ali desenvolvido, vemos que Noel Rosa coloca a fábrica (e todas as suas exigências) como uma espécie de concorrente da atenção da figura a qual dirige o seu afeto e romantismo. Em certa medida, vemos o desenvolvimento de certa tensão em que o mundo fabril e sua extensa jornada de trabalho impediram que a “figura amada” da canção tivesse tempo e disponibilidade de desfrutar dos cuidados daquele que lhe dedica tais versos.

Sob tal aspecto, vemos que a canção consolida de modo rico essa noção de passagem e transformação que envolve o processo de industrialização brasileiro. Não se limitando a um conjunto de mudanças econômicas, o processo também passa a interferir no cotidiano dos indivíduos e na construção das relações sociais entre os mesmos. Dessa forma, podemos notar a contradição da canção sendo sustentada por mudanças históricas que revelam o contexto urbano brasileiro do início do século XX.
 

Por Rainer Sousa
Mestre em História
Equipe Brasil Escola