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Poesia social em sala de aula

A poesia social demonstra a preocupação da Literatura com o homem em sociedade e pode ser ricamente trabalhada em sala de aula.
A Literatura pode estar a serviço do homem, caminhando lado a lado com a História e seus fenômenos sociais
A Literatura pode estar a serviço do homem, caminhando lado a lado com a História e seus fenômenos sociais
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Professor, você já deve ter ouvido falar que Literatura e História caminham lado a lado, não é mesmo? Muitos de nossos poetas incorporaram ao universo literário uma visão humanista, demonstrando preocupação com o homem e sua condição no mundo. Dessa forma, foram muitos os autores que utilizaram sua arte a favor da crítica social, provando que a arte também pode ter um caráter utilitário.

Selecionamos, então, alguns poemas permeados pela crítica social e, a partir do estudo desses poemas, nossos alunos deverão perceber que a Literatura não é alheia aos diversos fenômenos históricos que marcaram nossa sociedade em diferentes épocas e diferentes contextos. Sugerimos, professor, que você distribua cópias dos poemas propostos para a turma e, ao final da leitura de cada um deles, situe seus alunos no contexto histórico no qual estão inseridos.

Epigrama

Que falta nesta cidade? ... Verdade.
Que mais por sua desonra? ... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste socrócio? ... Negócio.
Quem causa tal perdição? ... Ambição.
E o maior desta loucura? ... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são meus doces objetos? ... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao demo o povo asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos? ... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? ... Guardas.
Quem as tem nos aposentos? ... Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimada,
porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda? ... Bastarda.
É grátis distribuída? ... Vendida.

 

 

 

Que tem, que a todos assusta? ... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia? ... Simonia.
E pelos membros da Igreja? ... Inveja.
Cuidei, que mais se lhe punha? ... Unha.
Sazonada caramunha!
Enfim, que na Santa Sé
O que se pratica, é
Simonia, inveja, unha.
E nos frades há manqueiras? ... Freiras.
Em que ocupam os serões? ... Sermões.
Não se ocupam em disputas? ... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões, e putas.
O açúcar já se acabou? ... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? ... Subiu.
Logo já convalesceu? ... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.
A Câmara não acode? ... Não pode.
Pois não tem todo o poder? ... Não quer.
É que o governo a convence? ... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre
Por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence!

Gregório de Matos

* Professor, observe que o poema “Epigrama” foi escrito pelo poeta baiano Gregório de Matos no século XVII, portanto, há mais de quatrocentos anos. Conhecido por suas duras críticas sociais à corte portuguesa, Gregório de Matos recebeu a alcunha de “Boca do Inferno” por expressar as condições sociais em que vivia a sociedade de seu tempo.

Vozes d'África

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes

Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé!...
Por abutre — me deste o sol candente,
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas

Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa!...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara;
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela — doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.
....................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...

E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor!..."

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Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...

Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz... "

Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim
.......................................

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!
........................................

Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...
— Serei tua Eloá. . . "

Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o nômade faminto corta as plagas
No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa — arrebatada —
Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

 

Castro Alves

* Professor, fale sobre o contexto histórico apresentado na poesia de Castro Alves, jovem poeta baiano que demonstrou grande entusiasmo pela causa abolicionista, escrevendo poemas que denotaram esse contexto histórico no ano de 1868.

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me’?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas,
alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas,
consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.

 

 

Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horasda tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

 

Carlos Drummond de Andrade

* Professor, os versos de Drummond denotam uma grande consciência social, cujo contexto está ancorado na luta de classes e na perversidade de um sistema que oprime o homem e seus sonhos.

Os poemas acima demonstram o quanto a poesia e o protesto andam lado a lado, retratando momentos sociais diferentes e denunciando a situação do homem na sociedade. Proponha também que seus alunos busquem outros poemas que sejam norteados pela mesma motivação social e que situem as obras em seus devidos contextos sociais.


Por Luana Castro
Graduada em Letras